A matemática consegue explicar os mosaicos perfeitos da natureza
- Samantha Lêdo
- 25 de nov. de 2024
- 3 min de leitura
Porque não encontramos esquinas e ângulos rectos na natureza? A resposta está nas “células moles”, um novo conceito matemático que nos esclarece sobre o design dos organismos vivos.

Desde a estrutura interna de uma concha marinha à organização das células musculares, sem esquecer, por exemplo, as riscas de uma zebra: quando observamos a natureza, parece impossível não nos maravilharmos com a sua perfeição. Também parece impossível não nos interrogarmos por que razão estes organismos vivos nunca são compostos por figuras geométricas tradicionais. Consegue imaginar uma flor quadrada ou uma árvore com veios triangulares? Durante anos, os matemáticos interrogaram-se sobre como o design da natureza preenche áreas sem deixar espaços vazios não necessitando de recorrer a formas com margens duras ou faces planas. E foi precisamente nesse contexto que uma equipa da Universidade de Oxford e da Universidade de Tecnologia e Economia de Budapeste fez uma descoberta surpreendente.
Dirigida por Alain Goriely e Gábor Domokos, a equipa chamou “células moles” a uma nova classe de formas matemáticas que dão um passo além no nosso entendimento da geometria natural e podem explicar-nos por que razão a natureza prefere as curvas e os contornos suaves em muitos dos seus designs.
Geometria natural versus geometria clássica
Tal como aprendemos na escola, a geometria tradicional foca-se em figuras com faces planas e ângulos rectos. Exemplo disso são os rectângulos e os triângulos, os quais, tendo margens rectas e esquinas definidas, podem ser agrupados de forma ordenada para cobrir uma área sem deixar espaços vazios. Pensemos, por exemplo, numa parede onde cada azulejo encaixa perfeitamente nos adjacentes.
No mundo natural, porém, estes padrões rígidos são particularmente estranhos. Basta olharmos à nossa volta para repararmos que os organismos vivos são caracterizados por margens curvas, contornos suaves e pouquíssimas esquinas afiadas: as camadas de uma cebola ou as folhas de uma lobélia gigante são um bom exemplo disso. A resposta está nas “células moles”

Os resultados da investigação, que foi publicada na revista PNAS Nexus, surgiram de uma comparação entre a versão 2D e a versão 3D de um elemento natural chave no estudo da geometria natural: a concha do Nautilus, que fascina cientistas desde que foi descrita pela primeira vez no livro seminal de D'Arcy Thompson, em 1917.
Segundo os investigadores, uma nova classe universal de formas chamada “células moles”, que, por definição têm “o mínimo de esquinas afiadas necessárias para preencher um espaço sem deixar lacunas”, explica este fenómeno.
Tal como demonstrado no estudo, quando observadas a duas dimensões, as câmaras de um náutilo têm apenas duas esquinas e margens curvas, o que lhes permite criar mosaicos que encaixam na perfeição. Quando esta ideia é transposta para três dimensões, o design destes compartimentos torna-se ainda mais complexo: em vez esquinas e margens, adopta uma forma completamente curva, continuando a preencher toda a área disponível.
Isto acontece porque “a natureza não só não gosta do vazio, como não gosta de ângulos agudos”, nas palavras do líder da investigação, Alain Goriely. Basta pôr de lado “as linhas rectas traçadas pelos homens”, como dizia Gaudí, e apreciar as curvas da biologia para constatá-lo: “Criar e manter esquinas afiadas nas células físicas é difícil e trabalhoso, uma vez que a tensão superficial e a elasticidade tendem naturalmente a suavizar as esquinas”, dizem os investigadores.
Esta descoberta inovadora não só abre a porta para continuarmos a decifrar o mundo que nos rodeia, como pode ter aplicações interessantes nas áreas do design industrial ou da arquitectura. Com efeito, vários arquitectos já “construíram este tipo de formas de maneira intuitiva sempre que queriam evitar esquinas”, sem saberem que a natureza já o fazia desde há muito.

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